domingo, 5 de dezembro de 2010

Um encontro inusitado


Esse texto também poderia se chamar "Um pequeno drops sobre a felicidade", pois trata de um encontro fortuito e inusitado entre duas pessoas de mundos bem diferentes, e suas reflexões sobre a felicidade.
Estava eu no ônibus, indo visitar meus afilhados. O trajeto passaria pela praia da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Antes disso, porém, sobem ao veículo os dois personagens de nossa estória. Primeiro, um rapaz, de no máximo uns 25 anos, branco, beeemmm magrinho, cabelos e armação dos óculos pretos, vestido com uma calça preta, chinelos, e uma camisa quadriculada. "O típico estilo intelectual", pensei, enquanto o observava pagar a passagem. Ele se sentou em um banco perto de mim, mas não ao meu lado. 
Mais à frente no trajeto, sobe um senhor, negro, vestido de um short e uma camiseta bem usados, um boné e um chinelo. Enquanto passava na roleta, ele cantarolava e dizia prá trocadora que era fã do Zeca Pagodinho. Em meio aos arrancos do ônibus, esse senhor se esforçava pra se equilibrar, o que dava a impressão de que estava bêbado. Talvez tenha sido isso que o cara que estava ao meu lado pensou pois, em ar de repreensão, balançou a cabeça em sinal negativo, enquanto o tal senhor se dirigia a um banco mais pro meio do ônibus, cantarolando versos da música "Deixa a vida me levar". Aí, percebendo a atitude do cara ao meu lado eu até pensei: "engraçado, o que ele tem a ver com a vida do cara, deixa ele!" Fiquei ali uns segundos, me entreolhando com a cobradora, que olhava o tal senhor lá atrás e sorria. Eu sorria também, pensando que o cara era uma figura.
De repente, percebo que o tal rapaz 'intelectual' estava com o corpo virado em sua cadeira, olhando o senhor  lá atrás, que continuava a cantarolar, entre gritinhos e imitação vocal de uma cuíca, literalmente curtindo sua viagem. Eis que após algum tempo o rapaz se levanta rapidamente e se senta ao lado do senhor, e começa a puxar assunto com ele. O intelectual, indie, sei lá o quê, foi lá, conversar com o cara que metade do ônibus achava maluco, e a outra metade tinha por bêbado. Eu particularmente achei aquilo o máximo. Ainda olhei pra trás e ouvi o início da conversa. "Você gosta de cantar?", perguntou o rapaz. "Sim, eu gosto", respondeu o senhor. "Que legal, cara!", exclamou sinceramente o rapaz. Eu fiquei ali na minha cadeira, querendo ouvir a conversa, mas sem êxito por conta do barulho do ônibus. Minutos depois, não me contive e fui sentar na cadeira ao lado deles. Eu tinha que escutar aquela conversa, entre aquelas pessoas tão diferentes, pensava. Lá sentei, mas o barulho do ônibus realmente me atrapalhava escutar toda a conversa. Mas escutei o essencial. Eles falavam sobre felicidade.
Vivemos num mundo (ou num país, ou numa cidade) em que um encontro como esse é inusitado por duas razões, pelo menos. Uma é a de que infelizmente estamos com medo do outro. Não queremos papo com desconhecidos na rua, ainda mais em se tratando de um 'negro', 'velho','bêbado' ou 'maluco'. E nessa, perdemos a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, e de aprender com elas coisas incríveis. E nesse sentido a atitude do rapaz foi louvável, por enxergar que aquele 'velho bêbado' tinha algo a lhe ensinar. A outra coisa que faz esse encontro inusitado é a própria característica dos personagens, representantes de mundos tão opostos nesse país que amo tanto chamado Brasil. Um, jovem, branco, universitário - estudante de cinema, morador pelo que escutei do Leblon, 'antenado', 'moderno'. O outro, um senhor, negro, pobre, que adora o Zeca Pagodinho, e que se sente muito feliz por cantarolar suas canções. Os dois conversavam animadamente, verdadeiramente. E eu, que não escutava muito, gostava do que via.
Soube que o tal senhor conhece o Zeca Pagodinho. Ele trabalha num quiosque da orla da praia da Barra, em frente ao prédio em que o Zeca mora, e onde este vai sempre que pode pra prosear e cantarolar. Conhece o Zeca Pagodinho há anos, há anos toca cavaquinho pro Zeca cantar, e os dois são amigos de tal forma que o próprio Zeca 'banca' os estudos de engenharia de seu filho. Soube também que esse senhor também compõe, e que o Zeca gosta das suas músicas. 'A gente é muito amigo', disse ele algumas vezes ao rapaz. E o rapaz, estava eufórico! Sorria, e batia na perna e dizia "cara, que fantástico! você é muito legal! que bonito, você é feliz, cara!" E aí o senhor disse que era feliz, que vivia a vida dele com o que tinha, que fazia o trabalho dele, que gostava de cantar, que era feliz, que muita gente tem dinheiro e não é feliz, que não é preciso de muito pra ser feliz. "Sou corno, mas sou feliz", disse ele, e nessa hora o rapaz deu uma garganhada! E eu ri também, claro. Continuaram conversando por uns minutos, o rapaz dizendo a ele era estudante de cinema e que reunia umas pessoas às vezes pra conversar, trocar experiências de vida, e que gostaria de convidar o tal senhor pra falar pros amigos dele sobre essa alegria, sobre essa felicidade gratuita que ele tinha. O senhor topou, e o rapaz disse que o procuraria no tal quiosque pra combinar detalhes. 
Quando o senhor desceu, eu prontamente olhei pro rapaz e puxei assunto. Ele estava extasiado com a conversa, e certamente contaminado com a alegria daquele senhor, amigo do Zeca Pagodinho. Ele me disse que quando o senhor entrou no ônibus cantando ele achou o máximo, e ficou olhando pra ele pra ver se ele era ou não maluco. Quando percebeu que ele não o era (usando uma técnica de identificação de doidos que me descreveu rapidamente), foi logo conversar com ele. E durante a conversa, percebeu que ele era bem lúcido. Eu lhe disse que o cara ao meu lado tinha indiretamente repreendido o senhor, certamente o achando bêbado. "Foda-se, e daí se ele tá bêbado, ele tá feliz!", me disse o rapaz, sorrindo. Trocamos mais algumas palavras, e ele também desceu do ônibus.
E eu fiquei ali pensando que é isso mesmo, foda-se pra qualquer tentativa de formatar a felicidade ou a busca por ela. Não existe receita de bolo pra encontrá-la, como aliás não existe receita de bolo pra quase nada nessa vida - talvez, só pra fazer bolo. Certamente muitas das pessoas que estavam naquele ônibus estão às voltas com seus dilemas, mas tentando exteriorizar auto-controle, posses...mas no fundo, fúteis, infelizes. E o Amigo do Zeca, em toda sua humildade, mandou um recado bonito...deixa a vida me levar....vida leva eu....talvez ele não tenha nem se dado conta, mas alegrou o dia de pelo menos três pessoas: o meu, o da trocadora e o do rapaz que por alguns minutos foi seu amigo também.

8 comentários:

ameninadosolhos disse...

Que foda!! Viva o Amigo do Zeca, o cara Indie e todos que são felizes, independente do que os outros pensam :)

Valeria disse...

E alegrou o meu também, que li essa linda crônica. É isso: felicidade é contagiosa - e acho isso o máximo!

Mel Vilanova disse...

Sim, é contagiosa mesmo! Que bom que consegui espalhar um pouco mais esse vírus com meu texto.

Unknown disse...

Fantástico! Leitura descontraída e bem-humorada. A sua cara!!!! Muito boa!!!

Bethania Guerra de Lemos disse...

Ô Melzinha! Que coisa linda. Lindo tudo, a tua atitude, o teu texto, e a tua forma de contá-lo. Alegrou minha tarde chuvosa e fria também, e me ajudou a pensar sobre o que é "ser feliz". Obrigada!

Unknown disse...

Mel, primeiro eu amei! Segundo que pra quem não tava escutando nada, você escutou tudo! Terceiro, a Val tem uma técnica ótima pra entrar em papo alheio: OI eu sou a Val.
Seu texto é lindo e doce com gosto de caipirinha, dessas pra tomar rindo com amigo. Acho lindo ser assim, aberta pro outro, pros outros pra conhecer e ser feliz. amei o blog, que bom que você virou blogueira, seria triste não te ler.

Mel Vilanova disse...

Queridas e querido, obrigada pelas palavras!
Tá sendo ótimo usar mais esse espaço pra trocar idéias.
Beijos e abraços, e muita caipirinha!! rsrs

Unknown disse...

Oi Mel,
Que muitas outras grandes sacadas simples, mas felizes e de bom gosto possam vir abrilhantar seu espaço.
Bjs e Felicidades. ;-)
Luiz