quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Barcelona

"Porque es tan fuerte, que sólo podré vivirte en la distancia y escribirte una canción" (Barcelona - Giulia & los Tellarini)
  
O conceito geográfico de lugar foi um dos que mais me cativou durante o curso de Geografia. De acordo com essa corrente científica, ‘lugar’ é um conceito que parte da constatação dos vínculos afetivos que desenvolvemos com certos espaços ao longo de nossa existência. O lugar é então um espaço ao qual nos ligamos afetivamente, e em relação ao qual nutrimos um profundo sentimento de pertencimento, de ‘estar em casa’. Disso decorre que todo e qualquer indivíduo desenvolve um senso de lugar com seus espaços de vivência, num processo que é pessoal. Disso decorre também que ao longo de nossa vida podemos habitar certos espaços aos quais não nos sentimos vinculados afetivamente, e por essa razão tais espaços nunca serão lugares – na acepção geográfica. O conceito de lugar está, portanto, muito presente em nossas vidas, e talvez por essa razão eu o considere tão interessante.
Em setembro do ano passado fiz uma viagem à Espanha que me fez entender na prática uma outra característica do conceito de lugar: a de que ele é construído com o tempo, em processo, e não de uma hora pra outra. A localidade que desencadeou essa experiência foi a cidade de Barcelona.
Bem, Barcelona dispensa apresentações. E como é uma cidade dotada de muitos predicados, eu estava cheia de expectativas quando cheguei lá. Seria impossível não a-mar de cara aquele lugar. Porém, por conta de alguns inconvenientes, não senti por essa cidade a mesma empatia instantânea que senti por outras visitadas, nem tampouco a paixão fulminante que Granada despertou em meu coração (ah...Granada...um dia escrevo aqui sobre essa preciosidade).
Não me senti ‘em casa’ em Barcelona quando me perdi no trem entre o aeroporto e a pensão, ou quando o Catalão tão presente me fez sentir profundamente solitária; ou ainda quando a chuva inclemente que anunciava o início do outono me impediu de fazer meu primeiro passeio de ‘reconhecimento de área’ e me confinou a meu quartinho impessoal de hospedagem. Minha primeira impressão de Barcelona foi a de uma cidade fechada e cinza. Senti saudade do sol e do aconchego de Granada...caí até no erro de comparar cidades, e pensei que Barcelona era uma espécie de São Paulo litorânea, enquanto os ‘Rios de Janeiro’ ficariam no interior, em Madrid e em Granada. Muito, mas muito simplista esse meu raciocínio. 
Mas se alguma comparação pode ser feita entre Barcelona e São Paulo (além do fato de essas duas cidades comandarem as regiões economicamente mais ricas de seus países), é que culturalmente as duas são colchas de retalhos muito, mas muuuuiito interessantes. Diria melhor: são caleidoscópios que por sua natureza podem confundir os mais desavisados.

Aos poucos fui conhecendo os atributos da cidade, e enquanto o tempo melhorava, eu ía me ambientando. Aprendi a andar pela Ciutat Vella, e viajei no tempo ao vislumbrar suas construções medievais. Pude até viajar mais ainda e caminhar entre ruínas romanas. Me emocionei com as obras de Gaudí, em especial com a Sagrada Família, que encheu minha alma de uma ternura profunda. Sofri uma grande indecisão sobre que bairro escolheria pra morar, se um dia viesse a  residir em Barcelona: o boêmio Born, que me pareceu uma Santa Teresa plana, ou o Eixample, símbolo da arquitetura modernista catalã – e confesso que ainda não me decidi.... Num delicioso passeio pelo Montjüic pude respirar ar puro em plena cidade. Aproveitei um pouco das festividades da Festa de La Mercè, "a festa dos catalãos", onde o show do Quimi Portet foi o ponto alto. Mesmo não entendendo uma palavra do que ele cantava (pois cantava em catalão), a linguagem universal das guitarras me fez gritar de alegria junto com os locais. Me deixei inebriar pelo colorido dos produtos do mercado de Saint Joseph, o conhecido Mercat de la Boqueria. No último dia, o derradeiro passeio pela Rambla já teve um tom nostálgico. E como fazia sol, foi com muita tristeza que conheci melhor a Barceloneta, e lamentei que não ficaria para o fim de semana.

Ainda saí de Barcelona pensando que tinha gostado do passeio, mas tinha faltado algo. (alma perturbada essa a minha, não?) E desde então, curiosamente, das sete cidades que visitei, é em Barcelona que mais penso quando me lembro da viagem que fiz. Desde então, posso dizer que sigo construindo meu ‘senso de lugar catalão’.
Barcelona, foi mal...acho que exigi demais de você em nosso primeiro contato, mas tua fama é tanta que me assustei e me confundi. Me desculpe se em algum momento levantei contra você algum falso testemunho. Logo você que é uma cidade única na diversidade. Hoje o que sinto por ti é uma vontade imensa de te ver de novo. Espero poder fazê-lo, e que não demore tanto...

Vídeos de música relacionados:

Barcelona - Giulia Y Los Tellarini


Por qué tanto perderse,
tanto buscarse,
sin encontrarse?
Me encierran los muros de todas partes.
Barcelona

Te estás equivocando...
No puedo seguir inventando
que el mundo sea otra cosa
y volar como mariposa.
Barcelona

Hace un calor que me deja
fría por dentro
con este vicio de vivir mintiendo
Que bonito sería tu mar si supiera yo nadar.
Barcelona

Mi mente está llena de cara de gente extranjera,
conocida, desconocida.
He vuelto a ser transparente.
No existo más...
Barcelona

Siendo esposa de tus ruidos,
tu laberinto extrovertido.
No hay encontrado la razón.
Por qué me duele el corazón?

Porque es tan fuerte
que sólo podré vivirte
en la distancia y escribirte una canción.
Te quiero, Barcelona!

Barcelona és poderosa!

Homes i dones del cap dret - Quimi Portet 


D'esquena al mar i a la muntanya; completament al marge
de l'activitat industrial; sota una col, canta el poeta:

Des d'una àrea de servei,
la meva terra
es com un parrac grapejat;
un país vençut pel davant
i pel darrere;
d'atrotinada dignitat.

Adéu turons amics,
adéu rieres,
boscos d'alzines i de roures i fagedes.
Muntanyes del meu cor,
adéu estrelles,
adéu al mar pur de cristalls i de turqueses.

Lleugerament trastocat, el poeta continua cantant:

Sona una guitarra
i el solet no vol sortir;
a veure la terra promesa
com fa el seu darrer sospir.

Hola pudors d'inferns
brutes i abjectes;
d'animals escorxats, sentor de sang i merda.
Adéu olors d'abans:
fenc, trepadella;
d'espígol dolç, i farigola a l'escudella.

Adéu amor, bonica,
la millor amiga,
adéu rateta que escombrava l'escaleta.
I allà a sota una col,
canta el poeta:
homes i dones del cap dret, adéu per sempre.
 
Pela tradução aproximada do Google, percebe-se que a letra critica a devastação ambiental causada pelas remodelações urbanas. Achei legal porque nesse post falo de vínculos afetivos com o lugar, e a letra descreve todas as perdas afetivas decorrentes da alteração desenfreada ocorrida em certas cidades.

"colinas amigos Adeus
adeus córregos
florestas de carvalhos e (..) carvalhos.
Montanhas do meu coração
estrela adeus
adeus ao mar cristalino puro e azul-turquesa."

"Soa uma guitarra
e não quero deixar sozinho;
para ver a terra prometida
Como o seu último suspiro.

Olá fedor do inferno
bruta e miserável; 
(...)
Adeus cheiros de antes:
feno, Onobrychis;
doce de lavanda, tomilho e a sopa.

Adeus amor, belas
melhor amigo
ratinho adeus (...)
E ali, (...),
o poeta canta:
homens e mulheres de qualquer direito, adeus para sempre".

Barcelona é uma cidade mutante, e por isso esse tema deve ser tão tocante ao artista.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Rapidinhas de férias - parte 3: Harry Potter


Das várias tarefinhas que pretendia realizar  nas minhas três semanas de descanso, uma das poucas que consegui foi a de ver todos os filmes da saga Harry Potter. Era uma questão de honra fazer isso, já que desde o primeiro filme, lá dos idos de 2001 se bem me lembro, estou me devendo entrar nesse mundo mágico dos bruxos. 
Ontem fui ao cinema assistir ao Harry Potter e as Relíquias da Morte 7.1. Foi o primeiro que assisti na telona, e é uma pena que seja o penúltimo, já que o próximo volume (Harry Potter e as Relíquias da Morte 7.2) será o último dessa saga fantástica. 
Mas, se já atualizei meus conhecimentos sobre a estória, falta muito ainda pra entender todos os significados do universo mágico criado por J.K. Rowling. E falta também ler os livros, que é outra tarefa que não sei quando cumprirei... :? 
Pra entender as mensagens subliminares do universo 'potterístico', vou buscar a ajuda da expert Dinha, uma das minhas ilustres leitoras, que já se ofereceu pra ministrar um mini-curso sobre Harry Potter. O combinado era vermos os filmes juntas, Dinha, eu sei, mas como tinha tempo, fui começando o serviço. Mas ainda quero as aulas!! :)
Talvez eu volte a escrever mais por aqui sobre essa minha mais recente gamação. Por ora só queria registrar que já sei o que se vende  na Travessa Diagonal, o que é Quadribol e  pra que serve conjurar um patrono.. :)



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Rapidinhas de férias - parte 2: Ilha Grande e Araruama

Fiz duas viagens curtas nessas férias, bem acompanhada de alguns dos amigos que tenho. 
A primeira foi prá virada do Reveillon. Fui com mais três amigas pra Ilha Grande, local que já conheço, mas que sempre gosto de visitar. Foi a primeira vez que passei o Reveillon fora do Rio. Adorei a experiência de me retirar pra descansar e já ir recarregando a bateria pra começar mais um ano. 
Um lugar que amei revisitar foi a Cachoeira da Feiticeira, à qual se chega por uma trilha que parte da praia da Feiticeira. Diz a lenda que havia um casal de franceses vivendo nesse local, e na época em que a Ilha Grande ainda era porto de vários navios negreiros, a mulher do casal, uma curandeira, cuidava dos escravos feridos. Ela foi tida pela Igreja Católica como feiticeira e morta numa fogueira. Mas a praia e a cachoeira guardam a lembrança de sua existência, assim como algumas ruínas da casa em que moraram no meio da mata. Segue fotinha da cachoeira.



E depois, no primeiro fim de semana do ano, 'zarpei' pra passar dois dias com amigos em Araruama. Nunca tinha ido prá cidade, só passado por ela. É gostoso ter, tão perto do Rio, um lugar pra ficar num ritmo mais tranquilo. Além de irmos a uma praia de Arraial do Cabo, que estava cheíssima e que por isso quase não fotografei, curtimos um dia na Praia dos Amores, na lagoa de Araruama mesmo. Uma delícia, água morninha, praia rasa e sem ondas. Tirei umas fotos 'bucólicas' de lá. Posto aqui uma delas, que foi quando tentei fotografar uma garça branca linda que tava parada ao lado do barco, mas ela voou logo na hora em que cheguei perto...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Rapidinhas de férias - parte 1: Cândido Portinari

Estou curtindo um breve período de férias, no qual tenho feito algumas coisas bem legais. Uma delas foi ter ido à exposição da obra Guerra e Paz do Cândido Portinari, que esteve aqui no Rio nada mais nada menos que no nosso belíssimo Theatro Municipal, o que tornou o passeio uma honra dupla pra mim.
A obra, composta por dois murais de  cerca de 14x10 metros cada um, retrata a visão do artista sobre o que seria um cenário de guerra e o que seria um cenário de paz. Foi encomendada pelo governo brasileiro na década de 50 para presentear a ONU. Esses murais estão desde então expostos no hall de entrada da Assembléia Geral da ONU em Nova Iorque, e voltaram ao Brasil para passar por uma minuciosa limpeza. Foram expostos uma única vez aqui no Rio em 1956, voltaram agora, e serão expostos novamente no Brasil após limpos (e oxalá eu possa vê-los de novo) antes de voltarem aos EUA.
Guerra e Paz é marcante na carreira de Portinari pois esses foram os últimos murais elaborados pelo artista.  Para quem não sabe, Portinari estava terminantemente proibido de pintar pois apresentava sintomas de intoxicação por tinta. Mas vislumbrando a oportunidade profissional que tal empreitada representaria, o artista aceitou a tarefa, sabendo que estaria assinando com isso sua pena de morte. As reportagens escritas e televisionadas que vi recentemente mostram que esse interesse profissional revelava sua vontade de pintar, e de pintar um tema tão forte e caro à humanidade como o é a dupla guerra e paz.  Foram 4 anos de dedicação ao projeto, de 1952 e 1956, entre elaboração de estudos e pintura. Em 1956 os painéis foram expostos pela primeira vez no palco do Theatro Municipal, onde tivemos a honra de vê-los agora.

 "os painéis Guerra e Paz representam sem dúvida o melhor trabalho que já fiz...
dedico-os à humanidade..."
(Portinari, 1957)

Como disse, são duas telas enormes, uma representando a guerra e a a outra a paz. Em relação ao tema Guerra, o folder explicativo que deram na exposição nos conta que ao contrário de outras representações de guerra eternizadas na história da arte, entre elas o Guernica de Picasso, a abordagem de Portinari busca representar a guerra não pelas armas ou pela lembrança da violência física, mas pelo que ela tem de mais marcante em qualquer época, "o desencadeamento de horror e animalidade". Em tons que vão dos azulados aos violáceos, passando por reflexos esverdeados, um cenário soturno de fome, dor e morte é apresentado.  Já no painel Paz, elaborado em tons pastéis que refletem alegria e tranquilidade, o artista registrou "um universo de paz, de comunhão fraterna no trabalho produtivo, num reino mágico de cores reluzentes, do som da ciranda de jovens num canto universal de fraternidade e confiança, ou da candura dos folguedos infantis". 






Eu fiquei emocionadíssima com essa exposição. Gosto muito dos trabalhos do Portinari, acho a história de vida dele muito bonita, e sua faixão de morte pela pintura é comovente. Tenho muito orgulho de ser do mesmo país que esse Grande Artista.
Termino com um vídeo de uma canção que foi uma homenagem linda que fizeram a ele. Não sei de quem é sua autoria, vou ficar devendo. Mas ela foi cantada graciosamente pela Grande Mercedes Sosa, o que torna esse vídeo imperdível. Se chama "Un Son para Portinari".

Así con su mano dura,
hecho de sangre y pintura,
sobre la tela,
sueña y fulgura,
un hombre de mano dura.
Portinari lo desvela
y el roto pecho le cura.