quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Chove no Recife

Vista da rua da Aurora. O prédio mais alto à direita é onde moram meus tios. 

Chove no Recife. Um manto de água cobre toda a cidade, e confere à paisagem o tom acinzentado dos temporais. Do alto de um prédio na rua da União, observo atentamente tudo o que se passa lá fora. 
O mar, que em dias de sol apresenta os tons de verde esmeralda, em dias como esse some, completamente imerso nas colunas d'água que sucessivamente atingem a cidade - primeiro uma, depois outra, logo após outra de novo. Somente nos intervalos das chuvas, quando o céu pára pra descansar de tanto desabar, é que se enxerga, bem longe, seu verde tímido e opaco. Mas logo outra coluna líquida inicia seu deslocar em direção aos prédios, e todos, da zona sul à zona norte, são igualmente lavados pelos pingos d'água que bailam no ar ao sabor do vento. 
E vem do vento e da chuva a música do temporal. Enquanto os pingos d'água dão a marcação constante, os ventos uivantes lhe conferem os 'solos'. Da chuva a espessura, a profundidade do som, e do vento a melodia triste e fria. Mas o vento é também expressão da ansiedade da natureza. Enquanto nas águas que caem tudo é constância - chover, chover, chover - o vento é pressa e liberdade. Rodopia, passa assobiando entre as frestas das janelas, move a coluna d'água, precipita ao chão os prematuros jambos d'uma árvore da rua da Aurora. Canta, corre, canta...Parece, apaixonado, querer avisar a tudo e a todos da chegada da chuva, sua amada. Parece querer ensurdecer-nos para os sons da cidade. 
Chove no Recife. Observo o balé do vento e da chuva, casal que se completa na pressa e na calma, na ânsia e na constância. E eu pacientemente olho, querendo enxergar além - que a chuva fecunda o solo, e minha alma também.
Chove no Recife, chove no Recife...


(escrito em 16 de junho de 2004, em Recife. Inspirado humildemente no romance Homens e Caranguejos de Josué de Castro, e no poema Evocação do Recife, de Manuel Bandeira. Ambos os escritores são pernambucanos)

3 comentários:

Valeria disse...

tu é boa nisso, hein?
tu é importante pra mim, fez minha família do coração crescer.
beijo.

Mel Vilanova disse...

Oi Val, que bom que alguém gostou!
Pois eu quero expor aqui o que escrevo, mas sempre bate uma insegurança...Que bom ver teu comentário.
Valsita, você, a Be e a Amanda foram três presentes que ganhei esse ano. Espero um dia escrever sobre isso por aqui...rsrs..Tenho certeza que sim, que estamos na mesma família do coração, e certamente na mesma família espiritual.
Um abração forte, querida.

Bia Lessa disse...

Mel é um arraso!!! rs